CALAFATES DE GANDRA
NA RIBEIRA DAS NAUS.
Gandra é, de entre as freguesias do nosso concelho, uma das que mais
esteve ligada à indústria da construção naval , não só a que desde os finais do
séc. XIV se instalara na foz do Cávado mas também à dos dois grandes centros
nacionais, a Ribeira das Naus, em Lisboa e a Ribeira do Ouro, no Porto. Certamente
pela sua proximidade aos estaleiros de Esposende e de Fão, para onde os seus
artífices tinham facilidade em se deslocar, Gandra contribuiu grandemente, ao
longo dos séculos, com os seus especialistas, muitos deles formados ou
“diplomados” nos dois grandes centros já citados.
Eximios carpinteiros navais, calafates e seus mestres, nos séculos
XVIII, XIX e XX, eram de Gandra, aliás, na boa tradição dos seus antepassados,
que já haviam dado sobejas provas do seu profissionalismo nesta importante arte.
E ela continuou a ser importante para a própria localidade, pois, segundo um
inquérito de âmbito socio-económico de 24 de Setembro de 1866, grande parte da
população de Gandra dedicava-se à profissão de calafate [i]
Altamente protegida, esta arte mecânica era fulcral à nossa economia,
porquanto todo o comércio marítimo dependia da boa construção e das condições de
estanquicidade, “da quilha à borda” das embarcações e por isso, os seus
artífices mais destacados, os Mestres ,tal como os dos carpinteiros navais,
eram contemplados com “privilégios”, especificados nas Cartas de Alvará que
remontam ao tempo de D. Fernando, mas que não raramente eram actualizados,
nomeadamente no tocante a impostos, como os últimos, confirmados por D. Maria
I.
Tais privilégios eram dados à Corporação, quando peticionados
colectivamente, mas os Alvarás eram passados nominalmente com esses mesmos
privilégios expressos, desde o primeiro até à última confirmação, que o
interessado utilizava quando lhe era necessário, estivesse onde estivesse em
território nacional.
É o caso de João Manuel., filho de Miguel Manuel e de Úrsula Gonçalves,
de Gandra, mestre calafate da Ribeira das Naus e da Ribeira do Ouro, que em 11
de Abril de 1748, fez registar na Câmara Municipal de Esposende a Carta dos
seus “privilégios” para se eximir ao cargo de juiz de sub-sino da sua freguesia
– S. Martinho de Gandra - para o qual havia sido nomeado quando prestava
serviço em Viana do Castelo, por ordem da El Rei, no calafeto de umas lanchas.[ii]
João Manuel, justificou assim, não poder ocupar tal cargo, pois a sua
profissão exigia que estivesse “dia e noite” disponível para o serviço de El
Rei.
O percurso de um oficial de calafate não era fácil e o de João Manuel
começou, quando seu pai, Miguel utilizou o seu Alvará que lhe dava o direito de
poder dar a mesma carreira aos filhos, carreira que também os isentava de ir à guerra.
Tudo começava com uma inscrição no curso...tal como fez João Manuel,
que em 20 de Fevereiro de 1709, dirigiu uma petição ao Provedor da Casa da
Índia para que lhe fosse passada uma Certidão de Matrícula, documento que foi
exarado pelo Escrivão da Provedoria dos Armazéns da Guiné, Índia e Armadas de
Sua Majestade onde consta que «a folhas
cento e dezasseis do Livro donde se fazem as Escrituras aos oficiais de
calafate da Ribeira das Naus, está feita uma, em cinco do corrente, pela qual
se obrigou Miguel Manuel, oficial de calafate da Ribeira das Naus, a dar ensino
do dito ofício, dentro de cinco anos a um seu moço, por nome João, filho de
Miguel Manuel e de Úrsula Gonçalves, natural de S. Martinho de Gandra,
Arcebispado de Braga e de idade de dezoito anos, cabelo preto e calvo, olhos
pardos e cara grande e larga e acabado de lhe dar os ditos cinco anos lhe
prometia ferramenta para trabalhar e um vestido ou três mil reis em dinheiro». [iii]
Miguel Manuel, o pai, tornou a utilizar o Privilégio, para o mesmo efeito
e para um outro seu filho que tinha o mesmo nome que o seu.
Gandra, tinha nos princípios do Séc. XVIII, TRÊS MESTRES CALAFATES, a
trabalhar na Ribeira das Naus! O pai e dois filhos O pa, Miguel Manuel já vinha
exercendo aquela profissão, desde o século XVII. Naquela altura, para ser
oficial de calafate, ou seja ser Mestre, tal como João Manuel pretendia, era
preciso ter uma verdadeira “formatura” de cinco anos. Mas isto era em 20 de
Fevereiro de 1709 ...
Outros se lhes seguiram, como Manuel Francisco do Paço, que foi vereador
da Câmara Municipal, nos primeiros anos do Séc. XIX. Era também um calafate de
renome, bem como seu neto Francisco do Paço, que acabou por se fixar em
Esposende onde casou com senhora de uma família com negócios na construção naval.
Em 1856, o mestre calafate de Gandra, Manuel Gomes dos Santos «pediu
escusa de ser encarregado de apresentar o S. Jorge nas quatro funções reais»,
quadro incluído nas festas do Corpus Christi.[iv]
José Francisco Alves, que trabalhou nos estaleiros de Fão ate 1906 e
que depois da sua morte foi substituído por outro mestre, Bento Ferreira Brás,
foram dos últimos grandes mestres calafates de Gandra.
Marinhas, Belinho e São Bartolomeu, tal como Fonte Boa, tiveram também
muitos e bons executantes nesta profissão, que honraram a indústria da
construção naval do concelho de Esposende, tendo alguns “passado” paras os
estaleiros navais de Viana do Castelo e do Ouro, no Porto, a partir de 1947, quando,
praticamente, acabaram os estaleiros da foz do Cávado.
[i] Neiva,
Dr .Manuel Albino Penteado, in “O concelho de Esposende no séc. XIX” in Boletim
Cultural de Esposende, nº 7/8 de Dezembro de 1985,pág.18.
[ii] Felgueiras,
José – “Sete Séculos no Mar”- Edição do Forum Esposendense,2010.
[iii] AHCME
– Registo do Privilégio dos Mestres Calafates concedidos a João Manuel da
freguesia de Gandra, termo desta vila de Esposende-Livro de Registos de
Privilégios -1748 (23 páginas).
[iv] Felgueiras,
José – “Sete séculos no Mar” – Edição do Forum Esposendense,2010.